segunda-feira, 25 de maio de 2009

Um pouco de tudo VII

Leia também: Parte I | Parte II | Parte III | Parte IV | Parte V | Parte VI
Enquanto o ódio consumia meus dias, limitava-me a trabalhar incessantemente, sem zelo por minha imagem, minha casa ou minha saúde. Meu mundo estava dentro daquelas quatro paredes, whisky, cigarro, cinzeiro e pornografia na web. Da mesma forma que terminava meus layouts, arquitetava formas de fazê-la pagar pela humilhação, pela ofensa, pelo medo de sair de casa... aquela vadia com seu vírus prejudicou minha mente, minha vida social, meu corpo.

Foi quando ouvi um barulho no portão de casa. Ignorei. Crianças nas ruas, certamente, com suas infernais brincadeiras de agredir o enfermo. Mas o barulho não parou por aí. Passos percorreram o jardim e chegaram à porta da sala, me fazendo abrir a gaveta da escrivaninha, depositar cuidadosamente o cigarro no cinzeiro, e retirar minha 9mm de seu esconderijo. Até que o som de uma voz familiar ecoou pela casa... pronunciando um palavrão, naturalmente.

O sorriso em meu rosto mesclou-se com o saudosismo, enquanto voltava minha protetora metálica para dentro de sua tumba. Levantei-me, ignorando o fato de estar vestindo apenas minhas cuecas e fui até a sala. Lá estava ela. Voluptuosa como sempre em suas roupas de couro agarradas, botas e spikes. Cabelos louros com as pontas avermelhadas, lisos, até a cintura, e um decote que me colocaria a nocaute, se não fosse ela, simplesmente, minha irmã.

Primeiro sorriu e me pulou em mim, me derrubando no sofá, e enchendo de beijos. Em seguida, levantou-se e me colocou de pé, deu uma boa olhada em meu estado e, carinhosamente, berrando xingamentos e palavrões aos tapas, me obrigou à tomar um banho e fazer a barba. Eu sorria de alegria. Aquele jeito nada convencional era sua forma de expressar amor e preocupação comigo.

Saí do banho, e em apenas 30 minutos ela tinha transformado minha casa num verdadeiro inferno – não que eu não tenha gostado. Pessoas e garrafas atravessavam minha cozinha e sala. O metal estava tão alto que meus vizinhos já teriam mudado de Estado. Carreiras de pó sobre a mesa da sala de jantar. Gemidos vindos dos quartos. Vestindo apenas um jeans surrado, enxugando os cabelos, fui até a sala, e meus olhos se encontraram com a imagem mais acolhedora que já puderam ver: todos os meus amigos, me aguardavam.

Uma empresária sexy, de apenas 1,60m, cabelos ruivos e longos, e um olhar azul inquisidor, capaz de derrubar um império. Um grandalhão de cavanhaque, jaqueta de couro, motoqueiro. Um padre de olhar sombrio sob óculos de lentes escuras e tatuagens obscenas sob a batina negra. Uma beldade de 1,80m, cabelos louros em cachos, seios fartos, boca vermelha. E meu irmão, outro grandalhão de tatuagens, mas o semblante mais calmo e tranqüilo que um verdadeiro psicopata possui.

Abriram espaço para que eu sentasse num dos sofás e com olhos ávidos, se voltaram para mim. De pernas cruzadas, elegantemente, minha doce irmã me disse em tom misterioso: “Agora conte-nos tudo o que aquela vaca fez com você... em detalhes” – e vi seus olhos marejarem com lágrimas de ódio, assim como os meus.

Nos braços de meus amigos e garrafas de whisky, entreguei todo o ódio e amor que sentia por aquela puta de cabelos louros. E no ódio estampado nas faces alheias, vi que não estava sozinho. A decepção não era só minha... agora eu tinha um clã.

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Coizinha: Oloko, você escreve super bem. O simples fato de aparecer por aqui já é lisonjeiro. Obrigado! ^^
Pimentinha: rsss... eu estive meio fora nos últimos dias, mas estou de volta, retomando o projeto! Espero que agrade...
Da Silva: O personagem passa por coisas que na verdade são bem reais no nosso dia-a-dia. Saber quem é o bem e o mal, que nem sempre o mocinho tem cara de santo... tudo isso é bem... bem... real. Abraço e obrigado pela visita!
Jonatan Bandeira (em Um pouco de tudo I, II e III): Agradeço pelos elogios, e sobre os "goles", bem... faz parte do tipo do personagem. Não nego que também gosto, mas com moderação... degustar faz bem! ;)

sexta-feira, 15 de maio de 2009

Um Pouco de Tudo VI

Leia também: Parte I | Parte II | Parte III | Parte IV | Parte V

De cabeça baixa, saí daquela enfermaria. Seis meses, quatorze dias, cinco horas e vinte e três minutos. Também se foram 13 quilos. Nunca me importei com minhas expressões, mas um desses “metidos a poeta” me disse meu semblante poderia ser definido como um cenário dos clipes do System Of A Down. Eu quis quebrar os lápis dele em suas próprias vértebras, mas sabia que ele tinha razão.

Me dei conta que nunca tinha baixado a cabeça em minha vida, então, passando pela sala de espera, me reergui. Pacientes e familiares de outros me olhavam com certo ar de piedade. A julgar pela porta de onde eu saía só poderia significar uma coisa: eu pertencia, agora, ao mundo deles. E isso não era bom. E eu não os ameacei com o olhar, como faria de costume. Ao passar pelo susto que passei, perdi parte daquele egoísmo em pensar que posso cuidar de tudo sozinho – Ok. Bobagem. Continuo o mesmo, só percebi que posso ser mais eficiente em bando.

Pisei fora do Hospital ao mesmo tempo em que já acendia um cigarro, dei uma tragada, levantei a cabeça... e quis sofrer outro acidente, por Deus!

O mundo havia girado, a vida havia seguido seu curso, e as pessoas continuavam pra lá e pra cá em suas vidinhas patéticas. Caminhei em meio às ruas iluminadas do meio dia, e percebi como elas são diferentes de suas faces à meia noite. Contemplei outdoors frios e calculistas, e observei manifestações públicas de afeto no parque. Esse admirável mundo “vivo” me entorpecia, e me obrigava a acender o segundo cigarro. É impressionante como seu comportamento muda, quando a vida te avisa que tem hora marcada para ir...

Tomei o metrô até perto de minha casa. Ausente daquele universo, não vi ninguém, não ouvi nada. Apenas o ruído metálico do transporte atravessando os túneis sob a cidade. E vi que meus dias – até a hora marcada – não seriam de apenas espera. Eu ainda teria que experimentar mais expiações.

Parado à porta de minha casa, notei que vizinhos me olhavam com espanto. Isso era normal, mas havia algo mais naqueles olhos. Até que ouvi uma criança perguntando à mãe, que passavam na rua, se eu era “aquele moço com aquele problema”... Antes que eu pudesse me arremessar ao portão e tentar agarrar o pirralho e a vadia de sua mãe, eles se foram, e eu entrei em casa.

O cheiro que bateu em meu rosto fez meus músculos relaxarem, à medida que eu tirava minhas roupas, ali na sala. Peguei as correspondências que foram jogadas sob a porta e me joguei, nu, naquele sofá. Olhei rapidamente uma a uma, até abrir um envelope que se dizia ser de um determinado remetente. Nele, uma carta dizia:

“Tomei o cuidado de avisar pessoas do seu convívio sobre tudo o que aconteceu” – Isso explicava o comportamento dos vizinhos e meu sangue veio aos olhos. Lógicamente eu reconheci aquela letra e o perfume no papel – não eram do remetente que se declarava no envelope. Passei a mão pelo peito e estendi o braço para pegar o pequeno enfeite sobre a mesa de centro: uma caixinha de metal. De lá, tirei um pouco daquela erva, cuidadosamente a enrolei em tiras que eu rasgava daquela carta e a acendi entre meus lábios...

Até cair no sono, eu ri muito. Me distraí. Pois agora eu sabia o mundo em que estava vivendo, quem eram os mocinhos, e sabia exatamente o que fazer.

quinta-feira, 7 de maio de 2009

Um Pouco de Tudo V

Leia também: Parte I | Parte II | Parte III | Parte IV

Então, funciona assim: eu descobri que foi você, e comecei a fumar. Descobri que o tempo todo era você a pessoa que me deixava para baixo, me empurrava para o precipício, e descobri que naquela noite em que senti o seu cheiro dentro do meu quarto de recuperação, você realmente esteve lá. E me envenenou. Você colocou algo em meu soro, e depois disso, o vírus contaminou meu sangue. Foi você. O tempo todo foi você.

Seus cabelos louros não me seduzem mais, pois sei que foi você. Seu corpo esguio não é mais meu desejo, pois sei que foi você. Graças a você ficarei mais um tempo nesse quarto de hospital, e quando eu sair, ainda terei que carregar seu vírus dentro de mim. E pensar que eu te amei, que nós transávamos com tanto prazer e intensidade, que meus olhos ainda ardem com a visão da sua pele brilhando sob a luz da lareira. Que meus músculos ainda estalam. E que eu ainda sinto você, em volta de mim.

Agora eu sei que foi você. O rei negro está com a rainha branca, e eu, rei branco, estou no chão... morto como a rainha negra. E em sua homenagem, acendi dois cigarros, e traguei até o fim, na esperança de transformar este amor em fumaça... tóxica, como você foi pra mim.

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Cáh: Se eu bem te conheço, você entenderá mais rápido do que qualquer alguém. És meu sangue, e isso te dirá o que sinto... como disse muitas outras vezes.

segunda-feira, 4 de maio de 2009

Um Pouco de Tudo IV

Leia também: Parte I | Parte II | Parte III

A recuperação é lenta e tediosa. As mesmas paredes, as mesmas porcarias na TV, os mesmos médicos putos. O que me felicita vez ou outra é o “auxilio” que recebo das enfermeiras, geralmente no turno da madrugada. Da alimentação ao banho, elas são prestativas e tão atenciosas. E fazem questão de realizar um bom trabalho comigo... talvez sejam meus olhos verdes, ou minha expressão de dureza... no rosto. A sobriedade as vezes tem suas vantagens.

Quando terminam o “serviço”, mantenho-me em silêncio. Elas param e me olham, com um sorriso de satisfação no rosto. E eu apenas as fito com indiferença. Acho que elas esperam que eu diga alguma coisa como “você foi maravilhosa”, ou pelo menos “obrigado”. Mas eu acho muito mais divertido vê-las baixando o olhar, constrangidas, perdendo o sorriso, e saindo do quarto apressadas. Eu me rio por dentro.

Entretanto, nestes últimos dias, tudo tem sido estranho.

Certa manhã, um jovem de jaleco branco abriu a porta repentinamente e me fitou nos olhos. Tinha o rosto novo, ainda sem barba, mas rígido e simétrico como o de um robô. Seu nariz era adunco e suas sobrancelhas grossas e negras emprestavam um ar de perigo ao seu olhar. Imediatamente ao vê-lo fechei a cara, mas logo que pus os olhos naqueles olhos azuis, tão familiarmente feminino, me perdi. Me lembrei de minha juventude, de minhas sobrancelhas grossas... e ele fechou a porta e saiu, antes que eu pudesse processar tal informação. Acendi um cigarro clandestino.

Dias depois acordei na madrugada com um perfume roçando em meu nariz. A chuva castigava essa maldita cidade – bem feito! – do lado de fora, com trovoadas. Inspirei mais uma vez, para ter certeza, e pelas reações fisiológicas que aquele perfume me despertou, tive a certeza: aqueles belos cabelos louros estiveram naquele quarto, durante a noite.

Hoje sonhei com aquele rapaz de sobrancelhas grossas. Pela primeira vez eu despertei com medo, desde os meus 6 anos de idade, no fatídico dia em que meu pai tentou me matar por ser um bastardo filho de uma puta, eu não acordava assim.

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Pucci: Oh, meu anjo. Fico feliz em ser alguém tão importante assim! ^^ Pela liberdade e pelo orgulho, avante sempre! rssss
Pimentinha: Obrigado! Cada vez mais lisonjeado... ^^
Karla Moreno: Finalmente, né! Já sentia falta dos seus comentários também! ^^
Da Silva: Muito obrigado pela consideração! Sobre palavras tardias... de fato, concordo!

OBS.: Acho que já mencionei isso por aqui, mas de qualquer forma, vale citar mais uma vez. “Um Pouco de Tudo” não tem a pretensão de ser um conto ou coisa parecida. Na verdade se trata de uma releitura de fatos que têm acontecido em minha vida. Cada personagem, cada manifestação de emoção, cada situação, tem paralelo com o que acontece na realidade, de uma maneira metafórica e literária.