segunda-feira, 29 de junho de 2009

Um Pouco de Tudo XI

Leia também: Parte I | Parte II | Parte III | Parte IV | Parte V | Parte VI | Parte VII | Parte VIII | Parte IX | Parte X
Abri os olhos, não consigo mais fechar.
Assisto em silêncio até o que eu não quero enxergar...

Meus olhos se abriram repentinamente, enquanto meu coração acelerava e enviava a adrenalina por todos os meus vasos e veias. Sentia-me pleno em minhas forças, como se estivesse novo (de novo) e perscrutei o quarto ao meu redor, ávido por informações. Era o mesmo quarto de hospital, que os putos me fizeram o favor de deixar sem calendários ou relógios – o que dificultava a minha “localização” no continuum do tempo.

Não bastasse o pânico de não saber onde (e quando) eu estava, quando virei o rosto para verificar o outro lado do quarto, vi a única pessoa do mundo que não gostaria de ver. Sentada numa poltrona reservada para visitas, no canto da sala, sob uma fraca penumbra, ela lembrava a imagem enegrecida de um vampiro à espreita. Senti um frio percorrendo a espinha. Devoradora, me fitava com aqueles olhos brilhantes por de trás de cabelos louros, mas a boca fina não exibia mais um sorriso malicioso. A julgar pelo tremor em seu queixo, diria que estava chorando.

E estava chorando sim, embora fragilidade não combinasse com seu estilo. Começou a me falar dos momentos felizes em que passamos juntos, das viagens, das pessoas, dos beijos e das noites tórridas. Confessou seu amor, admiração e devoção por mim, dizendo-se muito inferior a tudo isso. Afirmou, ainda, que embora sua vida estivesse direcionada a outra pessoa hoje, sentia todo o amor por mim. No ápice emocional daquele momento, levantou-se e se atirou em meus braços sobre a maca... e chorou mais.

Não pude conter meu coração, e acariciei seus cabelos louros, tentando suprimir aquele sofrimento. Seu cheiro, sua voz, e o seu abraço, mexeram comigo novamente. Meu peito apertado me fez lembrar da dor de tê-la perdido para o mal caratismo, para o crime e para tudo o que ela havia se tornado. E lembrando-me destes detalhes, o instinto de sobrevivência me alertou, e todas as suas sirenes soaram ao mesmo tempo, mais uma vez.

Argumentei que, embora tivesse me preocupado no passado, hoje não conseguia acreditar em sua repentina conversão – ainda pedi desculpas por pensar assim, como se ela não tivesse feito nada para que eu chegasse a estas conclusões. E com todos os crimes que ela tinha cometido, inclusive contra mim, eu não poderia fazer mais nada. Sabia que ela havia sido a autora do meu sofrimento... da minha infecção. Então como eu poderia confiar, ou mesmo amar, alguém que me fez tanto mal?

E naquele momento, meu corpo, expressão dos meus sentimentos, passou mal, reforçando tudo isso. Ela me pareceu surpresa. Talvez me subestimasse, e não pudesse ter certeza de até aonde iam minhas ligações. E eu ratifiquei que não haveria chances de perdão ou de volta, e neste instante, compreendi mais uma vez algo sobre ela. Algo que nos diversos anos em que estivemos juntos, eu não tinha percebido: eu era usado.

Assim que recusei sua proposta de retorno, senti sua ira pesando sobre minha pele. Seu rosto se converteu em uma ameaça assombrosa, e sua voz tomou um tom profético quando jurou vingar-se... me perguntei: mas de quê, Deus? Àquela altura, eu não conseguia mais refletir. Meu organismo reclamava novamente. Talvez o estresse daquele momento tivesse potencializado o poder da infecção, e no minuto seguinte eu já encontrava a escuridão de um outro desmaio. A fragilidade não combina com meu estilo, mas naquele momento quis chorar...

Ainda me acho um idiota por ter visto uma centelha de bondade naquele coração negro e gelado. Eu que não sei ver maldade, jurei que ainda havia resquícios daquela pessoa boa que amei. Ledo engano. Nunca houve. Ela só foi “boazinha” enquanto precisava de mim para satisfazer seus caprichos... e agora, não era diferente. Me culpei: será que só me envolverei com piranhas safadas como ela? Putas que só vão me usar, sugar minha vida, e me deixar inútil no chão?

Eu que não ser ver maldade...


OBS: Só aqui você vê um trecho de Sandy e Marlin Manson decorando o mesmo post! ;)


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Kakau Moreno: E você traduzindo meus momentos em palavras... rsss
Desarranjo Sintético: Paranóia ou Instinto de Preservação? Vai saber... rsss...

quinta-feira, 18 de junho de 2009

Um Pouco de Tudo X


Leia também: Parte I | Parte II | Parte III | Parte IV | Parte V | Parte VI | Parte VII | Parte VIII | Parte IX

Um barulho contínuo, linear, e irritantemente agudo, começou a soar longe, me trazendo à luz da consciência. Eu vi a imagem de relógios, despertadores... mas também lembrei que o meu não fazia um som como aquele. Senti um gosto ferroso por toda a boca. E o barulho foi ficando mais nítido, e o som de vozes gritando também. Foi quando, no meio da balburdia, pude discernir uma frase: “...assistolia... traz o reanimador!”

Insólita como foi essa frase, foi a minha consciência tomando meu corpo imediatamente. Emergencialmente. Com um solavanco reuni minhas forças da maneira mais rápida que pude e inspirei. Penso que cheguei a ficar sentado na superfície acolchoada em que estava, e um ar frio entrou pelas minhas vias aéreas rasgando minha traquéia e inflando meus pulmões. A dor que senti era tanta, que tive a impressão de que meus pulmões pudessem estar completamente vazios naquele momento, como uvas passas, e receberam muito ar... de uma vez. Uma singela compaixão para com o choro dos recém nascidos se abateu sobre mim: será que é essa dor que sentem e choram?

Abri os olhos e vi as expressões de surpresa no rosto de cinco ou seis pessoas vestidas de branco. Não tive como fazer ou dizer mais nada, porém, pois foi como se uma onda de desânimo e fraqueza tomasse meu corpo no mesmo instante, e eu me senti tonto... O barulho agudo deixou de ser contínuo, tornou-se intermitente, como um pulsar. E eu praticamente implodi, deixando-me cair sobre a maca, exausto, arfante.

Uma pequena lanterna foi usada para examinar minhas pupilas, e a luz branca pareceu fazer cócegas dentro de minhas pálpebras. O médico, um tipo alto e forte, de ombros largos, extremamente branco e de cabelos ruivos raspados baixo, como se fosse do exército, falou algo sobre “vírus” e “parada respiratória”. Eu não compreendi absolutamente nada, e em seguida nem fiz mais questão de entender... algo havia fisgado minha atenção.

Num canto da sala, vestida com um jaleco branco, reunida ao grupo de residentes, eu vi ela: boca rosada de lábios finos no formato de um sorriso sinistro, nariz pequeno e ligeiramente arrebitado, olhos expressivamente claros, sobrancelhas arqueadas como devem ser as do demônio... e cabelos louros que lhe emolduravam a face. Um desespero se abateu sobre mim, enquanto não conseguia sequer articular uma frase.

Desmaiei. Inseguro e amedrontado, rodeado pela escuridão. Estava preso dentro de meu próprio corpo, com uma víbora a rastejar ao redor de meu repouso. O que mais ela poderia tentar, agora que estava na mesma sala? Por que não me deixava em paz?

Eu que não acredito em Deus, rezei. E parece que, talvez, ele tenha algum apreço por mim. A imagem reluzente de um anjo de pele negra surgiu, e cantou para me acalmar. Hilário, é que o anjo me cantava um blues... uma lágrima rolou de meus olhos, confiante de que ninguém deixaria “cabelos louros” me fazer mais mal algum.

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Pimentinha: hauhauha... sobre os detalhes, é o mal de ser observador. A gente acaba vendo cada coisa estranha, notando cada detalhe, que depois fica difícil explicar as coisas sem fazer essas associações. É como falar por parábolas... (xiii... outra associação)
Duas Caras: Ahhhh... a maldita da criatividade. Se eu pego ela, juro que esgano! Ela tem me faltado nos últimos dias... semanas, para ser exato. É difícil ter um serviço que depende disso... pq não fui ser médico?
Cáh: Owww dó! Pecadinho... eu explico depois... rsss

terça-feira, 16 de junho de 2009

Um Pouco de Tudo IX

Leia também: Parte I | Parte II | Parte III | Parte IV | Parte V | Parte VI | Parte VII | Parte VIII

Cheguei a seu apartamento com certo constrangimento, confesso. Nos últimos dias eu vinha abandonando gradativamente parte de minha essência. Por exemplo, não mais sentia a necessidade de me expressar da forma tão inconseqüente, e agora podia, sim, manter a calma em diversos momentos que antes me tirariam do sério. Ter uma hora marcada para deixar tudo e sumir, modifica alguns pensamentos. Por isso, até o constrangimento parecia ser um sentimento novo para mim. Tudo era novo, afinal...

Parado sob o batente, observei a sala pequena, com uma bela rack, TV, um sistema de home teather, e outras estantes. Quadros de altíssimo nível estavam pendurados pelas paredes e sua coleção de CDs e DVDs era tão magnífica, que não percebi que nem conseguia andar, de tão fixa que estava minha atenção sobre eles. Anexa à sala, uma copa exibia um pequeno bar abarrotado de boas garrafas, copos e um frigobar. A iluminação da casa era baixa, acentuando os móveis de madeira escura e maciça. Elegância e simplicidade.

Sorrindo, lindamente, ela me convidou para entrar e fechou a porta às minhas costas. Ligou a TV num canal de entrevistas qualquer daquela madrugada, e me ajudou a retirar a jaqueta. Do lado de fora, a chuva fria ainda castigava o bairro todo, muito humilde por sinal. Pediu que eu ficasse à vontade, e notando um cinzeiro sobre a mesinha de centro, perguntei se poderia acender um cigarro. Ela aceitou e a vi retirando seu próprio maço da bolsa. Sentados, conversamos por alguns minutos, enquanto fumávamos. Relaxamento total...

Falamos de várias coisas, entre elas, minha admiração por sua beleza, seu gosto musical, sua voz. Ela sorriu de forma debochada – não por arrogância, mas por que seu jeito era realmente lindo assim. E me convidou para conhecer mais sobre ela. Me mostrou seu pequeno e apertado estúdio, improvisado num dos quartos do apartamento. Além de sua cozinha – e confessou ser uma péssima cozinheira. Então me ofereci para preparar algo para nós, e ela aceitou.

Tomei a liberdade de buscar em seus armários e notei que havia o suficiente para uma refeição simples. Preparei um Goulash, bem temperado, e ao creme de leite. Quando me viu picando os ingredientes, numa sintonia quase sobre-humana, ela buscou aquele que eu classificaria como o melhor Cabernet Sauvignon que já experimentei.

A refeição naquela madrugada nos aqueceu, junto com o vinho e o jazz que ela me mostrava com empolgação. Nalgumas partes da música, ela acompanhava de leve com sua voz de veludo negro, fazendo com que os pêlos de minha nuca se eriçassem. Talvez fosse a fina erva que compartilhávamos, ou o conjunto de todas aquelas experiências sensoriais. Mas para mim, havia uma única explicação para seu talento: ela era divina...

Fiz amor com ela naquela madrugada a fora, com o respeito de quem fornece a própria energia a uma Deusa. Regozijava-me ver e sentir todo seu prazer. E sua pele negra em contraste com a minha, muito branca, foi o ápice da beleza daquele quadro. Fui obrigado a render-me a Sebastião Salgado: a monocromia me trouxe todo o sentimento de liberdade e prazer.

No dia seguinte, por volta das 13 horas, cheguei em casa e dormi um pouco mais. Feliz.

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Pimentinha: Espero ter ajudado! Que bom! ^^
Da Silva: Agora você acaba de tornar as coisas mais difíceis! rsss... o que vou fazer com ele agora?
Karla Moreno: O Blog está se tornando pequeno demais para meus berros. Acho que vou começar [voltar] à desenhar... pintar... sei lá! Devaneios...

terça-feira, 9 de junho de 2009

Um pouco de tudo VIII

Leia também: Parte I | Parte II | Parte III | Parte IV | Parte V | Parte VI | Parte VIIO ódio sustentava meus dias até então, me dando motivos para lutar contra todo este câncer que a vadia loura havia injetado em minha vida. Detesta-la – com a mesma intensidade que a tinha amado – era minha filosofia de vida, obrigação, necessidade. Era para isso que eu vivia: odiá-la ou perdoá-la. Mas tanto rancor no peito já começava a cobrar sua indenização... saturado, eu saía, bebia e fodia com todo tipo de vagabunda que cruzasse minha frente. Até aquele sábado chegar...

Costumeiramente, estava sentado no fundo do bar. Whisky na mão, cigarro na outra, jaqueta sobre a cadeira. O breu cobria minha face... era por isso que eu voltava todos os finais de semana pra lá. E naquele dia eu deixei de me arrepender de ter construído tal rotina. Diante de meus olhos, com a candura de um anjo, ela subiu ao palco e cantou, para mim, um blues.

Negra como a noite – no melhor estilo black power, apresentou-se em seu vestido alaranjado de estrelas, que mesmo brilhantes não conseguiam ofuscar, ainda assim, a luz de seu olhar. Um par tão claro como os olhos de uma leoa, ela me fitou e desnudou minha alma, lá no fundo dos balcões... Pela primeira vez na vida senti minhas costas arrepiarem de tensão, e não de tesão. Sorriso branco entre lábios grossos e debochados, ela fazia aquilo só para me torturar.

Seus movimentos ao microfone eram o espetáculo à parte. Mãos delicadas, com garras de tigresa. Braços longos e firmes de uma atiradora de lanças. Corpo esguio e liso como o de uma serpente... ela rebolava para me provocar. Ela jogava seus braços e virava o rosto, num misto de atitude e potencia, enquanto sua voz soava como uma bomba, mas delicada como uma borboleta. Quando deu de mostrar seu pescoço, eu vi, próximo a nuca, uma tatuagem de escorpião... e seu veneno me infectou. Ou me curou. Difícil saber.

Receio ter ficado cerca de 40 minutos bestificado, enquanto meu whisky esquentava sobre a mesa. Foi quando a música parou e fui compelido pelo instinto a participar do aplauso. Ela piscou de uma forma que me pareceu câmera lenta, e quando terminou de aceitar os cumprimentos que lhe foram apresentados, dirigiu-se a mim.

Cada passo daquela pantera negra chacoalhava o mundo ao meu redor. Até que ela parou diante de meus olhos e seu cheiro me embriagou de uma forma que o whisky não conseguia.

Agora estou aqui, deitando em minha cama de lençóis de seda azul marinho. Meio-dia. Chuva do lado de fora. Ela esta em meus braços, adormecida, me fazendo crer que o mundo ainda gira, que a vida continua. Ela me prova que a noite tórrida não foi mentira. E eu só fico pensando... Para onde vou agora que o ódio se tornou apenas um “bom dia”? Normal, como quem atravessa a rua e se cruza sem querer...

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Pimentinha: Ter um clã, hoje em dia, é necessário...
Tiago Lott: E você é um ótimo designer... inveja! Estamos quites! rssss
Pucci: Luv u in return. Também por fazer parte de meu clã! ;)
Rafael Carvalho: Que bom! Espero vê-lo por aqui mais vezes!
Karla Moreno: Pois eh... o que seria de nós sem nossos blogs para desabafar... =/