quinta-feira, 26 de novembro de 2009

Um lugar ao Sol


Feito um lagarto eu me entreguei ao Sol nesta manhã. Acordei cedo o suficiente para vê-lo nascer, e refestelei-me sobre a pedra quente, para receber dos raios o calor. Sangue frio? Não mais. O arrepio em minha pele, com o vento da manhã, fazia surgir minhas escamas gastas de batalhas e galhos secos que me roçam. Quando vi o perigo aproximando-se, mudei de cor.

Meus olhos se viraram para fitar o céu azul, enquanto sentia pelo tato dos pés e mãos, as vibrações da Terra. Sentidos divididos. O prazer nunca concebido da dualidade dos sentimentos. Sim... eu pude sentir o amor e a carne, o fogo e o vento, o silêncio e o movimento, o homem e a mulher. Agarrei-me à árvore com minhas garras afiadas com tanta força, que a seiva escorreu entre meus dedos.

Cacei insetos, pequenas aves, anfíbios e outros répteis como eu. Sim, eu comi outros lagartos, também. Eu criei armadilhas ardilosas, pus iscas criativas, montei tocaia em sua sala de estar. E quando o suculento objeto do meu desejo se fez nu perante meus olhos, devorei vorazmente, como quem precisa armazenar sustento, para depois não fraquejar. Cavei um buraco para enterrar os corpos, mas dormi sobre eles também... para digerir melhor.

Como um lagarto, quando as coisas apertaram, me invertebrei. Torci meu corpo, minha mente e toda a alma para atravessar a pequena fenda. Ataquei com presas meus inimigos e lambi-lhes a carne com saliva venenosa. Beijei a boca dos vilões com meu sangue infectado para lhes transmitir a amargura da minha carne, afim de que desistissem de me devorar. Até larguei um pedaço de mim para trás para despistar os predadores... mas quer saber? Nem chorei!

Vai nascer outro pedaço no lugar.

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