quarta-feira, 18 de agosto de 2010

Ser feliz

Existe algo de insano na busca pela felicidade. Primeiro, por que sua existência nunca foi provada. Ela é como um mito qualquer, de alguém que já ouviu falar de um amigo do amigo, que um dia foi feliz. Segundo, por que ela está relacionada com a nossa motivação de viver. O que você seria capaz de fazer para atingir essa, talvez hipotética, felicidade?

Certa vez, consultei Dona Júlia, uma senhora muito humilde, simples, e praticamente cega dos dois olhos. Talvez enxergasse menos que 10%, mas viu coisas que não imaginei que fossem possíveis. Nominava-se cartomante.

Naquela época eu “quase amava” um unicórnio. Sim, aquele mítico animal, relacionado à natureza e a pureza de coração. Aquele ser intocado e tranqüilo, que só aparece para os justos e bons. Eu vi um. E me apaixonei. Entretanto, na mesma época, eu ainda “quase amava” um vampiro. Também, sim, aquele ser mítico que suga nossa essência vital, roubando nosso calor e alma com um simples beijo. Não bastasse isso, eu estava de viagem marcada, fundação de uma empresa marcada, era o início de uma nova vida pra mim.

Mal entrei em sua casa, e Dona Julia sorriu com seus poucos dentes e olhos cobertos pela catarata, dizendo: “Ah! Você tem uma viagem grande marcada, não é? Ai que beleza que vai ser...” – e ao contrário do esperado, eu não me assustei em perceber que ela via algo no futuro, que eu mesmo não tinha dito. Eu me senti à vontade.

Sempre me senti à vontade com pessoas que extrapolam a verdade humana. Videntes, psíquicos, médiuns, bruxas, unicórnios, vampiros, artistas... Sempre me vi muito confortável na presença destes seres fabulosos, que nos mostram o quanto é interessante ser “sobrenatural”.

Pois ela já me olhou “me vendo”, e decifrando o código do meu futuro. “Vai ser uma viagem longa, mas vai dar tudo certo”. E eu sorri, embora eu ache que ela não tenha realmente visto meu sorriso, pois ela logo se pôs a explicar que mesmo sem as cartas, ela via algumas coisas. Pedi que ela relaxasse, e me dissesse tudo o que visse.

Ela então colocou as cartas na mesa. Nos dois sentidos. Alertou-me que tanto o “vampiro” quanto o “unicórnio”, iriam ficar para trás. Mas que nessa viagem, eu conheceria Valete de Paus. “Ok!” – pensei – “Mas que diabos isso significa?”. Ela foi enfática: um jovem que fará parte de sua vida, mas que estará só interessado no seu dinheiro.

Eu ri... “Que dinheiro?” – pensei. E entre uma carta e outra, ela revelou o Às de Ouro, e mais outras cartas prósperas. Ela me disse que após três meses, as coisas começariam a melhorar, e que isso significava muitas surpresas boas para a empresa que eu estava prestes a abrir. E algum dinheiro. Foi quando ela me disse: “Você não será rico, mas terá uma vida bem confortável”. Eu pensei: “Amém”.

Em seguida, um certo Reis de Espadas, ou Paus, não me recordo bem, surgiu. Alguém mais maduro, ligado às Leis, e que me defenderia. No auge da consulta, ela me perguntou: “por que você não confia nele? Ele é quem vai te ajudar!” – pensei em seguida: “Não sei! Diga-me você, que está lendo este capítulo, eu ainda estou aqui atrás...”

No final da consulta, ela me garantiu: “Bem... pelo visto você vai ser feliz!” – e aí sim, eu me assustei.

Bem... mais de seis meses se passaram desde essa consulta. Estou sem meu unicórnio, sem meu vampiro. Não conheci nenhum “jovem” que se interessasse pelos meus parcos trocados, já que dinheiro também está me faltando, e isso me faz pensar: “cadê meu Às de Ouro?” (leia-se: “o que houve com minha empresa?”). Também não conheci nenhum advogado, juiz, delegado ou mesmo um policial que fosse me defender de qualquer coisa. E até agora estou esperando a parte do “ser feliz”.

Continuo buscando dinheiro com meu suor. Continuo buscando atenção, embora agora verdadeiramente ame um “colibri”, que voa em flores muito distantes... inacessível pra mim. Evito quem tenha cara de Valete de Paus. E sempre sou gentil com todos os Reis que me aparecem. Mas, sobretudo, continuo buscando a felicidade... ao ponto de me ver, hoje, tão triste.

Quanto mais procuro ser feliz, mais triste fico. Quanto mais continuo, mais quero parar. E esse masoquismo me fez pensar que realmente há algo de insano, pervertido, na busca pela felicidade. Primeiro, por que ela não é provada. Segundo, por que dói.

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